segunda-feira, 10 de março de 2008
A falar é que nos entendemos ! ...
Foi uma jornada onde mulheres de todos os países de língua oficial portuguesa puderam reflectir em conjunto sobre o empreendedorismo no feminino e as políticas necessárias a um desenvolvimento justo e sustentável, puderam conversar, puderam conviver. Também não faltaram os momentos culturais com música e poesia "lusófonas".
As cerca de 200 participantes tiveram oportunidade de escutar a Prof. Maria João Rodrigues, ex-Ministra do Emprego e Qualificação, proferir a conferência inaugural e aprovaram, no final, uma Moção de repúdio pela prática da mutilação genital feminina e uma Declaração (a Declaração de Lisboa), cujo teor transcrevo:
« As Mulheres representam, em todo o Mundo, mais de metade da humanidade, sendo parte activa do progresso à escala global.
Ainda que, em grande parte, com trabalho não remunerado ou insuficientemente remunerado e intervenção socialmente desvalorizada, as Mulheres sustentam, de forma inquestionável, o desenvolvimento dos seus países e das suas comunidades.
No seu relatório de 2006, o Fundo das Nações Unidas para a População refere que as Mulheres representam cerca de metade de todos os migrantes. São 95 milhões de Mulheres que contribuem para o desenvolvimento, quer dos países de acolhimento, quer dos seus países de origem, para onde remetem uma parte do seu rendimento, ajudando os familiares, contribuindo para reduzir a pobreza, apoiando a economia.
Mas, por outro lado, em todos os relatórios mundiais, as Mulheres continuam a ser as mais pobres, as mais excluídas, as mais afectadas por um maior aumento da taxa de prevalência de infecção do vírus HIV/SIDA, continuam a ser aquelas a quem são dirigidas as mais diversas e cruéis formas de violência e atropelos à dignidade humana.
Contudo, a Igualdade entre Mulheres e Homens tem sido assumida solenemente em inúmeros tratados, pactos ou convenções internacionais e, através deles, os Governos têm reafirmado o compromisso de promover políticas activas para a erradicação de todas as práticas que discriminam as Mulheres.
Pode ler-se nos pontos 1 e 7 da Declaração de Pequim, aprovada na IV Conferência Mundial das Nações Unidas Sobre as Mulheres, em Setembro de 1995: “Nós, os Governos participantes na IV Conferência Mundial Sobre as Mulheres (…) empenhamo-nos, sem reservas, em enfrentar estas dificuldades e obstáculos, promovendo assim o progresso e o empoderamento das mulheres em todo o mundo e reconhecemos que tal requer medidas urgentes num espírito de determinação, esperança, cooperação e solidariedade, desde já e tendo em vista o próximo século”.
Reafirmam também, no ponto 8 desta declaração, o seu compromisso em relação à “igualdade de direitos e intrínseca dignidade humana de mulheres e homens, bem como outros objectivos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais de direitos humanos, em particular a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres e a Convenção dos Direitos da Criança, bem como a Declaração para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento”.
Manifestam também, no ponto 13 da mesma declaração, a sua convicção de que “a autonomia e afirmação das mulheres e a sua participação plena, com base na igualdade em todas as esferas da sociedade, incluindo a participação no processo de tomada de decisão e acesso ao poder, são fundamentais para se alcançar a igualdade, o desenvolvimento e a paz.”
É, aliás, vivamente realçado na Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o contributo inestimável das Mulheres para a paz, elas que, a par com as crianças, são as maiores vítimas de conflitos que não quiseram encetar, guerras pelas quais não são nem querem ser directamente responsáveis.
A Declaração do Milénio, adoptada no ano 2000 pelos 189 Estados-Membros da Assembleia-Geral das Nações Unidas, ao aprovar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, definiu a igualdade de género como uma condição indispensável para o desenvolvimento verdadeiramente justo e sustentável. A capacitação das Mulheres e a sua autonomia são consideradas como meios eficazes de combater a pobreza, a fome e as doenças.
Porém, os históricos e persistentes estereótipos sobre o papel das Mulheres e dos Homens nas nossas sociedades têm perpetuado as desvantagens das Mulheres no mercado de trabalho e no acesso aos processos de decisão, quer na área política quer na área económica, já que continuam a ter a maior responsabilidade em relação aos cuidados com os filhos e com as pessoas idosas, doentes ou com deficiência, mas também com todas as tarefas inerentes ao trabalho doméstico.
Esta realidade vai aumentando as dificuldades de conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, as quais se repercutem nas condições de empregabilidade e na criação do próprio emprego, frustrando e desperdiçando a força empreendedora das Mulheres.
No entanto, apesar de todas estas dificuldades, a capacidade empreendedora das Mulheres é inquestionável e referenciada nos mais diversos fora de discussão económica internacionais e, de acordo com recentes estudos, as empresas dirigidas por Mulheres atingem elevados níveis de produtividade, sendo também consideradas das mais persistentes, com uma menor taxa de falência ou dissolução.
Assim, conscientes da justiça e da urgência subjacente a todos estes pressupostos e objectivos, as Mulheres presentes na I Cimeira das Mulheres da Lusofonia, organizada em Lisboa, pelo Departamento Nacional das Mulheres Socialistas, no dia 1 de Março de 2008, representantes de Partidos Políticos, membros da Internacional Socialista, e de associações cívicas, declaram assumir, como princípios orientadores de uma estratégia comum, o seguinte:
- Reforçar o diálogo e o trabalho em rede entre as Mulheres dos países da Lusofonia, através das suas organizações de Mulheres, estreitando laços de amizade e congregando esforços para a contínua e persistente promoção da igualdade entre as Mulheres e os Homens, perseguindo objectivos comuns que promovam um desenvolvimento justo e sustentável para todos;
- Reforçar a participação nos órgãos dos seus partidos, envolvendo Mulheres e Homens neste trabalho conjunto e na defesa e inclusão da perspectiva de género em todas as áreas de intervenção social, económica, pública e política;
- Alertar e sensibilizar os Governos de cada um dos países de língua oficial portuguesa para a necessidade de se continuarem a desenvolver todos os esforços na eliminação de toda e qualquer forma de discriminação, para que Mulheres e Homens possam viver a sua plena cidadania, enquanto parceiros iguais, num mundo que todas e todos desejam mais justo e sustentável;
- Realizar uma Cimeira bienal de Mulheres dos Países Lusófonos, criando um grupo permanente de acompanhamento e avaliação das recomendações saídas das diferentes Cimeiras.
Nesse sentido, recomendam acções prioritárias de intervenção nas seguintes áreas:
- Acesso das Mulheres a cargos de decisão social, económica, pública e política;
- Empreendedorismo no feminino, com a promoção de instrumentos que sejam potenciadores do mesmo e com programas de incentivos à criação de empresas e de acesso a financiamentos e ao crédito;
- Formação e diversificação de competências profissionais;
- Educação formal e não formal;
- Saúde sexual e reprodutiva, abrangendo o combate às infecções sexualmente transmissíveis, o planeamento familiar e a educação sexual e para os afectos e o combate a doenças pandémicas, tais como o HIV/SIDA, a tuberculose e a malária;
- Violência contra as Mulheres, incluindo o tráfico de seres humanos e a mutilação genital feminina;
- Conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional;
- Legislação laboral de protecção às mães e aos pais trabalhadores;
- Concertação internacional para a promoção do comércio justo e do consumo ético;
- Defesa do ambiente.
Recomendam ainda que, durante as Cimeiras da União Europeia com os países da CPLP, sejam realizados, paralelamente, encontros informais de Mulheres da Lusofonia, cujas conclusões deverão integrar as conclusões das Cimeiras.
Ao perseguir o sonho da modernidade, através de um modelo de desenvolvimento que se pretende e deseja cada vez mais justo e sustentável, sendo necessariamente solidário, a humanidade não poderá nunca mais desperdiçar a força e o talento empreendedor das Mulheres. Seria um erro crasso e incomensurável ! »
* Declaração aprovada por unanimidade e aclamação no final dos trabalhos da I Cimeira das Mulheres da Lusofonia
domingo, 9 de março de 2008
MILENA - Feminista, socialista, MULHER
Com o seu desaparecimento, calou-se uma das vozes mais respeitadas da luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens.
Feminista, Socialista e Mulher ...
... Madalena Barbosa nasceu em Faro a 13 de Março de 1942. Cresceu e fez-se adulta em Luanda. Veio para Lisboa em 1964, já com duas filhas. A estas juntaram-se, em Lisboa, mais duas raparigas e dois rapazes. Começou a sua militância em Abril de 1974. Co-fundou o Movimento de Libertação das Mulheres e todos os movimentos feministas que se lhe seguiram. Nos anos 80, integrou a Comissão da Condição Feminina, actual Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, onde trabalhou até agora. Dirigiu, coordenou e elaborou vários estudos sobre mulheres em Portugal, que estiveram na base de medidas legislativas reconhecedoras da igualdade entre sexos na sociedade portuguesa, em áreas diversas como os direitos humanos, o trabalho, a pobreza, a saúde, a sexualidade. Representou Portugal e a União Europeia em várias cimeiras e conferências internacionais, nomeadamente em Nova York.
Audodefiniu-se um dia como: “Feminista, socialista e mulher, chamada em outros lugares do mundo gender expert”.
No dia em que Milena nos deixou, foi apresentado, em Lisboa, na antiga Fábrica de Braço de Prata, o livro “Que Força é Essa”, um livro de crónicas e textos de reflexão da autora sobre temas que vão das questões do feminismo, igualdade e estudos de género, à historia, à educação, ao trabalho, família e conciliação, à participação cívica e política, à saúde sexual e reprodutiva, à violência e ao aborto.
Segundo as suas próprias palavras são «textos escolhidos das minhas revoltas, textos escritos para perceber, analisar. Fase jornal, fase CIDM. Separados, como devem ser - opinião e saber. Por vezes tocam-se e o saber junta-se à opinião».
Na apresentação do livro, a voz de (Maria) Isabel Barreno. Numa página do livro, a voz de uma outra Maria, a Maria Teresa Horta, que dedicou a Milena o poema "Feminista":
« Se porque penso
existo
e se existo porque penso
Como mulher
eu resisto
porque existo e dou exemplo »
DIA INTERNACIONAL DA MULHER - PORQUÊ?, PARA QUÊ?
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As comemorações do dia 8 de Março estão ligadas, em toda a parte, à luta das mulheres por melhores condições de trabalho, por uma vida mais digna e por uma sociedade mais justa e igualitária.
Esta luta das mulheres tem o seu papel na história mundial e tem também as suas protagonistas: mulheres, mais ou menos (re)conhecidas, que, ao longo dos tempos e nos quatro cantos do Mundo, resistiram às várias formas de machismo e discriminação.
Recuemos a 1789, à Revolução Francesa, e lembremos o grito de “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, porque, diz-se, foi a partir daí que começaram a afirmar-se os direitos humanos universais.
Só que essa universalidade excluía as Mulheres e estas começaram, então, a contestar a situação e a reivindicar uma cidadania que não fosse apenas masculina.
Destaca-se, nessa época, uma mulher – Olympe de Gouges – que, através do texto “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã” (1791), reivindica o “direito feminino a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo as suas capacidades”. É ela também quem afirma: “a mulher tem o direito de subir ao cadafalso; deve igualmente ter o direito de subir à tribuna”.
No entanto, esta revolucionária francesa pagou caro a sua ousadia: em vez da tribuna para fazer ouvir a sua voz, ela foi julgada, condenada à morte e guilhotinada, por “ter querido intrometer-se nos assuntos da República e ter esquecido as virtudes próprias do seu sexo”.
Também com a Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII, e após entrada das mulheres no processo produtivo, onde eram obrigadas a conviver com jornadas diárias muito prolongadas e com duras condições de trabalho, o mundo assistiu a novas formas de luta, onde se destacam aquelas que pretendiam ver reduzido o número de horas de trabalho operário.
Diz-se que terá sido em 8 de Março de 1857 que mais de uma centena de operárias de uma indústria têxtil em Nova Iorque protagonizou a primeira greve e manifestação de protesto, conduzida exclusivamente por mulheres.
Lutavam, então, contra as péssimas condições de trabalho a que eram sujeitas e reivindicavam o direito a um salário igual ao dos homens e a redução da jornada de 16 para 10 horas. Mas, a polícia e os patrões trancaram as portas da fábrica e atearam-lhe fogo. As grevistas morreram carbonizadas.
Embora não haja consenso sobre a veracidade deste acontecimento, que não terá sido referido em nenhum jornal da época, esta é a primeira referência à data que passámos a celebrar como o Dia Internacional da Mulher.
Terá sido também em 8 de Março, do ano de 1908, que cerca de 15000 mulheres, provenientes sobretudo das fábricas têxteis, se concentraram numa praça em Nova Iorque, reivindicando direitos sindicais, igualdade económica e política e o direito ao voto por parte das mulheres.
Dois meses mais tarde, o Partido Socialista Americano decidiu consagrar um dia por ano a uma manifestação em prol do direito de voto das mulheres e da igualdade dos direitos cívicos, tendo esse dia sido celebrado, pela primeira vez, em 28 de Fevereiro de 1909.
No ano seguinte, surge a primeira referência às origens da evocação do Dia Internacional da Mulher. Foi durante o II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, que se realizou em Copenhaga, na Dinamarca, que a famosa dirigente do Partido Social-Democrata alemão, activista pelos direitos das mulheres, Clara Zetkin, propôs uma resolução no sentido de se instaurar oficialmente um dia de luta Internacional das mulheres. Nessa resolução que, curiosamente, não faz qualquer referência ao dia 8 de Março, Clara Zetkin menciona que deve ser seguido o exemplo das socialistas americanas, o que pode ser entendido como uma homenagem às tecelãs que se manifestaram em Nova Iorque.
Esta proposta foi ratificada pelo Congresso da Internacional Socialista e, no ano seguinte, foi fixada a data de 19 de Março de 1911 como primeiro Dia das Mulheres. Apenas foi celebrado na Alemanha, na Áustria, na Dinamarca e na Suiça.
Terá sido alguns dias mais tarde (25 de Março), que ocorreu o trágico incêndio, que tem vindo a ser associado às celebrações do Dia Internacional da Mulher: na fábrica de camisas Triangle, em Nova Iorque cento e vinte e nove trabalhadoras, na sua maioria jovens imigrantes italianas e judias, perdiam a vida por causa da falta de segurança das instalações onde laboravam.
Nos anos seguintes, o Dia Internacional das Mulheres foi celebrado também em França e na Rússia.
Mais de um milhão de mulheres manifestaram-se na Europa e surgiram diversos movimentos e manifestações em prol de melhores condições de trabalho e igualdade de direitos, de que é exemplo aquela manifestação que ocorreu em 1917, na Rússia, quando um grande número de operárias, na sua maioria tecelãs e costureiras em greve, apoiadas por metalúrgicos, saíu à rua, reivindicando pão e paz, um acontecimento que foi considerado o dealbar da Revolução Russa.
Mas o dia de luta adoptado no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, apesar de celebrado, não tinha uma data certa, e foi a Conferência das Mulheres Comunistas, que se realizou em Moscovo, em 1921, que adoptou o dia 8 de Março como data unificadora para o Dia Internacional da Mulher.
Após as duas Grandes Guerras Mundiais, iniciou-se um processo de mutação social que veio alterar o estatuto das mulheres aos diversos níveis, como ficou patente logo na Carta das Nações Unidas (1945), que, pela primeira vez, considera a dimensão de igualdade entre homens e mulheres, em relação aos direitos fundamentais, o mesmo acontecendo, três anos depois, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Começa, assim, a ser reconhecido o princípio da não discriminação em função do sexo e a igualdade entre homens e mulheres.
Na segunda metade da década de sessenta, por muitos considerada a década dos “novos feminismos”, a Assembleia-Geral das Nações Unidas adopta a Declaração sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres (1967), afirmando um conjunto de princípios que concorrem para a construção de uma perspectiva mais global, no que diz respeito à situação das mulheres e à igualdade.
Se refiro todas estes momentos na história da luta das mulheres, é para sinalizar que os caminhos de mudança têm sido longos e árduos e que são fruto de muitas jornadas de luta. Importa recordar às novas gerações, a todos aqueles e aquelas que já nasceram com um conjunto de direitos consagrados, que nem sempre foi assim …
Mesmo no quadro das Nações Unidas, só desde 1975, ano em que foram proclamados o Ano Internacional da Mulher e a Década das Nações Unidas para as Mulheres (1976-1985), é que o dia 8 de Março passou a ser celebrado como Dia Internacional das Mulheres.
Em todo o Mundo, o dia 8 de Março passou a ser um dia onde se chama a atenção para as discriminações de que ainda são alvo as mulheres, para as desigualdades que subsistem, para a necessidade de serem garantidos os seus direitos humanos, a melhoria das suas condições de vida e de trabalho, a sua participação na vida política, económica, social e cultural.
Em cada 8 de Março, reescreve-se uma história feita de lutas e recorda-se o papel decisivo dos movimentos feministas em todo o Mundo.
Em cada 8 de Março, recordam-se os gritos e as lágrimas, as glórias e as derrotas vividas por tantas mulheres e evoca-se o seu inconformismo militante, a sua perseverança e vontade, a sua determinação e coragem.
Da francesa Olympe de Gouges (1748-1793) e da alemã Clara Zetkin (1857-1933), que foram já referidas, mas também de muitas outras: das inglesas Mary Wollstonecraft (1759-1797) e Emmeline Pankhurst (1858-1928), das americanas Lucrécia Mott (1793-1880) e Emma Goldman (1869-1940), esta última de origem lituana, das francesas Flora Tristan (1803-1844) e Hubertine Auclert (1848-1914), das alemãs Louise Otto (1819-1895) e Hedwig Dohm (1833-1919), da italiana Anna Maria Mozzoni (1837-1920), da austríaca Bertha von Sutter (1843-1914), da suíça Meta von Salis-Marschlins (1855-1929), de Alexandra Kollontai (1872-1952), da antiga União Soviética, da ucraniana Clara Lemlich, (1886-1982), de Berta Lutz (1894-1976), do Brasil, e da americana Betty Friedan (1921-2006). Estas mulheres, a par com a polaca Rosa Luxemburgo (1871-1919), que tem sido considerada a mais destacada revolucionária do século XX, são apenas algumas, entre as muitas activistas, que recupero do baú das memórias da luta pelos direitos humanos e pelo nosso direito à igualdade.
Uma palavra é devida também, aqui, a duas antigas euro-deputadas francesas: Louise Weiss (1893-1983), a decana das feministas europeias, que foi também apelidada de “avó da nova Europa”, e Simone Veil (n. 1927), que, como é sabido, foi a primeira mulher a presidir ao Parlamento Europeu (de 1979 a 1982) e, já em 1974, enquanto Ministra da Saúde, havia defendido o projecto-lei que despenalizou a Interrupção Voluntária da Gravidez, em França.
Estas são apenas algumas entre as muitas mulheres no mundo, que têm tido um papel importante no lento processo de reconhecimento de que os direitos humanos, para serem universais, têm de ser aplicados às duas metades da humanidade (homens e mulheres) e não só aos homens.
As lutas protagonizadas por elas, e por tantas outras que seria impossível evocar, foram travadas no passado, mas não ficaram lá enterradas, pois, apesar dos significativos avanços já verificados, subsiste o fosso entre a situação ideal e a situação real da mulher.
Isso mesmo tem sido reconhecido, ao longo de todos estes anos, pelas Nações Unidas, organismo que tem vindo a promover conferências internacionais visando a igualdade.
Na cidade do México, em 1975, durante a I Conferência Mundial sobre as Mulheres, que instituiu a Década das Nações Unidas para as Mulheres e aprovou o respectivo plano de acção mundial, foram identificados três objectivos prioritários para os dez anos seguintes: igualdade, desenvolvimento e paz.
Os mesmos objectivos foram retomados na II Conferência Mundial sobre as Mulheres, que teve lugar em Copenhaga, em 1980, durante a qual foram definidos três domínios merecedores de particular atenção, no que diz respeito ao acesso por parte das mulheres: educação, emprego e saúde.
Na III Conferência Mundial sobre as Mulheres, que se realizou em 1985, em Nairobi, foi feita a avaliação da Década e adoptaram-se estratégias para o futuro (Estratégias para o Progresso das Mulheres até ao ano 2000), com base no reconhecimento, pela primeira vez, de que todos os problemas humanos eram também problemas das mulheres, o que implicava que estas tivessem também um direito legítimo de participar no processo de tomada de decisões e na gestão de todas as questões humanas.
Dez anos mais tarde, na IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, que ocorreu em Pequim, em 1995, os Estados participantes (189) assumiram o compromisso de assegurar que a dimensão de género fosse reflectida em todas as políticas e programas de acção.
Nesta Conferência, subordinada ao tema “Igualdade, Desenvolvimento e Paz”, e na Plataforma de Acção então adoptada, foram identificadas as áreas críticas, no que diz respeito à igualdade e aos direitos humanos das mulheres, referindo-se, designadamente, a educação e formação profissional, a saúde, o emprego, a participação na vida económica, os media, mas também a pobreza e o fenómeno crescente da sua feminização, a violência, o ambiente e o acesso e partilha do poder, estes últimos encarados como condição indispensável ao reforço e aprofundamento da democracia.
Em Pequim, os governos participantes na IV Conferência Mundial reafirmaram o seu compromisso em relação à igualdade de direitos e à intrínseca dignidade humana de mulheres e de homens, bem como a outros objectivos e princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e em outros instrumentos internacionais de direitos humanos, em particular a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção dos Direitos da Criança, bem como a Declaração para a Eliminação da Violência contra as Mulheres e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.
Na Declaração de Pequim, os Governos participantes afirmaram, ainda, a convicção de que “a autonomia e afirmação das mulheres e a sua participação plena, com base na igualdade em todas as esferas da sociedade, incluindo a participação no processo de tomada de decisão e acesso ao poder, são fundamentais para se alcançar a igualdade, o desenvolvimento e a paz” (ponto 13 da Declaração).
Nesta declaração reconhece-se ainda que “os direitos das mulheres são direitos humanos”.
No seguimento desta IV Conferência Mundial, realizaram-se duas sessões extraordinárias da Assembleia Geral das Nações Unidas - em 2000 e 2005 - que ficaram informalmente conhecidas como “Pequim + 5” e “Pequim + 10”, durante as quais se procedeu à avaliação do progresso e empoderamento das mulheres, reforçando-se as orientações em matéria de igualdade, desenvolvimento e paz.
Mas a história é feita de avanços e recuos. Por isso, dez anos depois da Conferência de Pequim, e apesar dos compromissos aí assumidos pelos estados participantes, o balanço feito pelo então Secretário-Geral da ONU, Koffi Annan, no encontro “Pequim: 10 anos depois - Garantir a Igualdade entre os Sexos, o Desenvolvimento e a Paz”, evidenciou que os direitos humanos das mulheres estavam ainda longe de ser respeitados e que estas continuavam a ser discriminadas.
Apesar dos esforços prosseguidos, durante estes últimos trinta anos, para que as questões relativas ao estatuto e situação das mulheres entrassem na agenda política internacional, apesar das leis e medidas aprovadas para a eliminação de todas as formas de desigualdade e violência contra as mulheres, verificava-se (e verifica-se, hoje, ainda) um grande fosso entre a situação ideal e a situação real das mulheres no mundo.
Os factos falam por si: as mulheres continuam a ser a maioria da população situada no limiar da sobrevivência e da população analfabeta, são discriminadas no acesso à educação e aos cuidados de saúde, representam a maior taxa de desemprego e sub-emprego, auferem salários mais baixos para trabalho igual e são vítimas de tráfico e violência física, sexual e psicológica.
Eis-nos, portanto, chegado(a)s a 2007, com uma situação verdadeiramente insustentável na Europa e no Mundo: a igualdade de facto está ainda longe de ser alcançada, apesar de ter já sido reconhecida, há muito, a igualdade de princípio.
Tal circunstância justifica que o corrente ano tenha sido declarado, pela União Europeia, como o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos.
Pretende-se, com ele, sensibilizar a população para os benefícios de uma sociedade mais justa e solidária, através da promoção da igualdade e da não discriminação”, independentemente do sexo, origem étnica ou racial, religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual.
De acordo com um dos princípios enunciados na Decisão de 17 de Maio de 2006 (nº.771/2006/CE), o Ano Europeu “deverá criar uma nova dinâmica capaz de apoiar os esforços dos Estados-Membros para aplicar a legislação comunitária em matéria de igualdade e não discriminação”.
É, como afirma o Ministro da Presidência, Pedro Silva Pereira, “uma boa oportunidade” e, simultaneamente, “um desafio”, nas palavras de Jorge Lacão, Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.
Uma oportunidade e um desafio para a Europa, mas também para Portugal, onde, apesar dos significativos avanços no combate à discriminação entre mulheres e homens, muito caminho há, ainda, a percorrer, na promoção de uma verdadeira igualdade de género.
No nosso país, a igualdade de princípio entre homens e mulheres conta-se entre as muitas conquistas da Revolução de 25 de Abril de 1974 e afirma-se na Constituição da República, que foi aprovada em 1976.
Aí se reconhecia a igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, no que diz respeito à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos [artigo 36º, nº 3], aí se incumbiu ao Estado a obrigação de assegurar a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais [artigo 52º, alínea c], aí se reconheceu aos trabalhadores direitos, sem distinção de sexo [artigo 53º].
Também a institucionalização da Comissão da Condição Feminina, em 1977 (embora já funcionasse anteriormente), a Reforma do Código Civil, em 1978, a ratificação de uma importante Convenção Internacional (Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres), em 1980, a adesão à Comunidade Económica Europeia, em 1986, e a criação da Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, em 1991, são apontados como importantes marcos para a afirmação da igualdade entre homens e mulheres.
Mas, uma vez mais, nada disto acontece por acaso. Para se chegar aqui, muitas foram também as Mulheres que, sobretudo a partir dos finais do século XIX, fizeram ouvir a sua voz, lutaram e sofreram, para defender o princípio da igualdade de direitos e oportunidades em todas as esferas da vida: política, cívica, económica, social, cultural, familiar, profissional.
Algumas dessas Mulheres passaram mais ou menos ignoradas pela história, apesar da História lhes ficar a dever a sua ousadia, a sua acção militante na construção dessa igualdade.
Outras há que pontuam, reconhecidamente, a História das Mulheres Portuguesas: Adelaide Cabete (1867-1935), Anna de Castro Osório (1872-1935), Maria Veleda (1871-1955), Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911), são apenas algumas dessas mulheres, todas elas activistas em movimentos feministas.
Mas também muitas outras mulheres, de cuja acção guardamos uma mais viva memória, uma vez que chegaram aos “nossos dias”. Destaco, aqui, Maria Lamas (1893-1983), Elina Guimarães (1904-1991), Teresa Santa-Clara Gomes (1936-1996), Natália Correia (1923-1993), Alda Nogueira (1924-1998) e, naturalmente, Maria de Lourdes Pintasilgo (1930-2004), uma activista espiritual e social que tive o privilégio de conhecer e a quem gostaria de deixar aqui uma palavra pessoal de admiração e respeito.
Partilho do sentido que ela dava à luta das mulheres. “O feminismo não é a luta das mulheres contra os homens: é a luta das mulheres pela sua autodeterminação; é o processo de libertação de uma cultura subjugada; é a conquista do espaço social e político onde ser mulher tenha lugar: Luta, libertação e conquista que significam necessariamente uma maior riqueza para tudo o que é humano”, afirmava ela num livro dado à estampa há mais de vinte e cinco anos.
De facto, não estamos a falar de uma “guerra de sexos”, como ainda, por vezes, se quer fazer crer, mas de “respeito entre iguais”, de igualdade de direitos, de igualdade de responsabilidades, de igualdade de oportunidades, de igual dignidade e valor entre homens e mulheres, em suma, de direitos humanos fundamentais.
E porque ainda é necessário afirmar tudo isto, continua a justificar-se a celebração, entre nós, do dia 8 de Março, Dia Internacional da Mulher.
Esse dia é aproveitado para salientar o nosso papel e a nossa dignidade social, o nosso valor enquanto pessoa, mas também para contestar preconceitos e limitações que continuam a ser-nos impostos.
É o dia que consagramos à memória e homenagem daquelas que fizeram, e fazem, a história da luta pelos direitos humanos e pela igualdade de género, mas também constitui uma oportunidade para realizar o balanço do que já foi conquistado e reflectir sobre o muito que ainda falta fazer.
Conforme foi já referido, a igualdade de princípio está consagrada na Constituição da República, já desde 1976, tendo-se dado um novo e significativo passo na revisão de 1997. Foram, então, introduzidos dois pontos fundamentais: o reconhecimento de que a promoção da igualdade entre homens e mulheres é tarefa fundamental do Estado [alínea h) do artigo 9º] e de que a lei deve promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos [artigo 109º].
Estavam, assim, consagrados mecanismos indispensáveis ao reconhecimento formal da igualdade entre mulheres e homens no nosso país, a que se seguiram diversos dispositivos legais destinados a promover, de facto, a igualdade de género. Tal é o caso da protecção à maternidade e à paternidade, o direito – irrenunciável - à licença de paternidade, a revisão do Código Penal, no que concerne os crimes de violência doméstica e de género, a Lei da Paridade, a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, entre outros.
Mas, no 2º semestre de 2007, em pleno Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos, Portugal assume, novamente, a Presidência da União Europeia.
Se, da Presidência de 2000, chegou aos nossos dias a “Estratégia de Lisboa”, hoje ainda inspiradora de muitas políticas dos estados-membros, nomeadamente de políticas da igualdade de género, saibamos transformar os “objectivos de Lisboa” numa verdadeira estratégia para a solidariedade, para o desenvolvimento sustentável e para a igualdade entre homens e mulheres.
É já consensual que as questões da igualdade de género não são sectoriais, nem dizem respeito às mulheres. As questões da igualdade de género são questões transversais, que afectam a sociedade no seu todo, que dizem respeito às duas metades da Humanidade, logo, são questões de homens e mulheres.
O Ano 2007 constitui, como se disse atrás, uma oportunidade e um desafio.
Saibamos, pois, todos e todas, ser agentes da mudança, saibamos estar à altura dos desafios da modernidade, saibamos aproveitar mais esta oportunidade, para construir uma sociedade inclusiva, mais justa e solidária, uma sociedade onde haja uma efectiva igualdade, de direito e de facto, entre homens e mulheres, em todas as esferas de participação.
Saibamos, pois, todos e todas, estar à altura de uma democracia adulta do século XXI, numa sociedade onde se garanta aos homens o direito à vida familiar, às crianças o direito à participação equilibrada da mãe e do pai no seu desenvolvimento e às mulheres a sua afirmação também na esfera pública e política.
Em suma, saibamos caminhar rumo a uma sociedade onde exista, de facto, o direito de homens e mulheres participar plenamente, enquanto parceiros iguais, em todas as esferas da vida.
Porque, e termino com uma frase que li algures:
As mulheres não querem um dia especial, uma data de calendário que recorde apenas as lutas passadas. As mulheres querem todos os dias, todas as horas, todos os minutos, todos os segundos. As mulheres querem a vida inteira.
sábado, 8 de março de 2008
8 de Março - Dia Internacional das Mulheres
Comemora-se hoje o Dia Internacional das Mulheres.
As comemorações deste Dia estão ligadas, em toda a parte, à luta das mulheres por melhores condições de trabalho, por uma vida mais digna e por uma sociedade mais justa e igualitária.
Não se trata de uma “guerra de sexos”, como ainda, por vezes, se quer fazer crer, mas de “respeito entre iguais”, de igualdade de direitos, de igualdade de responsabilidades, de igualdade de oportunidades, de igual dignidade e valor entre homens e mulheres, em suma, de direitos humanos fundamentais.
Por mais incrível que possa parecer, ainda é necessário afirmar tudo isto, repetir vezes sem conta que esta não é uma luta entre homens e mulheres, mas sim uma luta de homens e mulheres no combate às desigualdades e na promoção de uma sociedade de parceiros iguais.
Por isso, continua a justificar-se evocar este Dia, que é aproveitado para salientar o nosso papel e a nossa dignidade social, o nosso valor enquanto pessoa, mas também para contestar preconceitos e limitações que continuam a ser-nos impostos.
O Dia 8 de Março é o dia que consagramos à memória e homenagem daquelas que fizeram, e fazem, a história da luta pelos direitos humanos e pela igualdade de género, mas também constitui uma oportunidade para realizar o balanço do que já foi conquistado e reflectir sobre o muito que ainda falta fazer.
E há muito ainda a fazer ...
Porque "as mulheres não querem um dia especial, uma data de calendário que recorde apenas as lutas passadas. As mulheres querem todos os dias, todas as horas, todos os minutos, todos os segundos. As mulheres querem a vida inteira".
Entre as inúmeras realizações que tiveram hoje lugar, um pouco por toda a parte, participei em duas:
Uma de carácter oficial, promovida, em Lisboa, pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) e outra, de âmbito mais restrito, promovida por uma estrutura partidária local, no distrito de Santarém: uma sessão comemorativa, onde não faltaram espaços de debate dedicados à temática da tomada de decisão (política e económica), e um almoço evocativo. Poderia ainda ter participado num jantar comemorativo, promovido pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, mas optei por um programa familiar – Conciliar é preciso !
Entretanto, dei-me conta que faz hoje precisamente um mês que introduzi a última mensagem neste espaço e que, neste período, muito poderia ter sido registado e só não o foi (uma vez mais) por manifesta dificuldade de conciliação.
Deixo, por isso, aqui um breve apontamento sobre o que marcou este mês e, em mensagens complementares, desenvolverei um pouco mais alguns destes tópicos:
EDITE ESTRELA, que foi objecto da minha mensagem anterior, lançou já um segundo número da sua Newsletter dedicada à promoção dos direitos da mulher. A sua anunciada página (http://www.editeestrela.eu/) também já está disponível na net. Vale a pena aceitar o convite para uma visita. Conforme a própria escreveu na nota de abertura, a página foi «criada a pensar em si, que gosta de estar informado(a), que se interessa pelo trabalho dos eurodeputados, que reconhece a importância das decisões do Parlamento Europeu». Diz ainda Edite Estrela que é ao eleitor que quer «prestar contas e contribuir para que se sinta mais próximo dos deputados europeus, para que conheça melhor as instituições europeias (...) e tenha melhores condições para exercer a sua cidadania europeia». Entre os conteúdos que podemos acompanhar nesta página está a actividade que Edite Estrela desenvolve na Comissão dos Direitos da Mulher e da Igualdade dos Géneros.
MADALENA BARBOSA (Milena, como era conhecida entre nós) deixou-nos. Precisamente no dia em que foi lançado o seu livro «Que Força é essa» ...
O Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa promoveu uma Conferência subordinada ao tema "International Feminisms in Historical Comparative Perspective, 19th - 20th Centuries", com quatro sessões de debate onde marcaram presença vários especialistas nacionais e internacionais.
O Departamento Nacional das Mulheres Socialistas promoveu, em Lisboa, uma I Cimeira das Mulheres da Lusofonia, dedicada ao tema «O Empreendedorismo no Feminino: Que políticas para um desenvolvimento justo e sustentável?».
A Associação «ABRIL» (Associação Regional para a Democracia e o Desenvolvimento) lançou, em Lisboa, o livro «Uma Flor por Maria de Lurdes Pintasilgo».
Foi reeditado e apresentado, em Lisboa, o livro-manual «Na Política, as Mulheres são capazes», uma tradução e adaptação da edição inglesa da obra «Women can do it!», publicada em 1992 pelas Mulheres do Partido Trabalhista Norueguês. Com esta reedição pretende-se dar um contributo para a promoção de uma efectiva participação das mulheres em todas as esferas da vida pública e, em particular, na política.
Na nota prévia, assinada por Elza Pais, Presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, pode ler-se «As leis são um instrumento fundamental para se conseguir a efectiva participação das mulheres na vida pública, mas é igualmente indispensável que se desenvolvam mecanismos de empoderamento das pessoas sub-representadas para que se alcance uma cidadania participativa de todas as pessoas. Publicações como esta pretendem sensibilizar, promover e estimular a participação cívica activa de homens e mulheres na construção de uma sociedade mais justa e igualitária».
Termino esta série de apontamentos com uma ROSA para todas as GRANDES MULHERES que conheço, nelas homenageando TODAS as Mulheres do meu país. Que nunca nos falte a FORÇA e a CORAGEM para seguir o exemplo daquelas Mulheres que abriram os sulcos da nossa caminhada rumo a uma sociedade que seja mais justa, porque mais paritária!
E têm sido tantas ao longo da História ...
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008
Um novo espaço informativo em nome da Igualdade de Oportunidades ...
Quem, como eu, tem acompanhado de perto toda a actividade de Edite Estrela, pelo menos nos últimos 15 anos, não pode deixar de saudar mais esta iniciativa.
A juntar às suas intervenções na Assembleia da República e nos mais variados "fora" nacionais e internacionais, aos seus discursos políticos, à sua acção concreta enquanto Presidente de uma das maiores autarquias de Portugal, mas também enquanto líder de estruturas partidárias, aos seus artigos de opinião no Expresso, no JN, no Acção Socialista e muitos mais ... surge agora este espaço informativo, em formato digital, onde Edite Estrela pretende continuar a sinalizar todos aquelas abordagens que, directa ou indirectamente, reflictam ou conduzam a uma reflexão sobre a igualdade de oportunidades.
Da conciliação à participação, da violência à saúde, do empoderamento à não-discriminação ... todos os temas que são ou vierem a ser destacados neste novo espaço informativo transportam consigo uma mensagem que nunca será demais repetir (até que a voz nos doa): a igualdade de género é transversal a toda a sociedade, é uma matéria que diz respeito a todos os cidadãos e a todas as cidadãs (e não só às mulheres) e, por isso, todas as políticas que promovam a igualdade beneficiam todos e todas - homens e mulheres - porque favorecem o equilíbrio familiar, melhoram a organização social e criam condições para o exercício de uma cidadania plena.
Com esta Newsletter, Edite Estrela dá, assim, mais um contributo à sua já longa cruzada para tornar visíveis estas questões da igualdade entre os homens e as mulheres e da não-discriminação, o que muitos ainda teimam em ocultar.
Voltarei ao tema.
Por agora deixo aqui o convite de Edite Estrela para ler, divulgar e comentar esta sua Newsletter e para acompanhar toda a sua actividade parlamentar em ...
www.europarl.europa.eu/members/public/geoSearch/view.do?country=PT&partNumber=1&language=PT&id=28310
Brevemente, poderemos fazê-lo também através do endereço
http://www.editeestrela.eu/
(site em construção).
Parabéns, Edite, por mais este exercício de aproximação entre eleito(a)s e eleitore(a)s !
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
Ainda a Mutilação Genital Feminina (III) - Vamos dar voz ao silêncio ...
"Vamos dar voz ao silêncio de milhares de crianças, jovens e mulheres que são violentadas em todo o mundo pela prática de Mutilação Genital Feminina" é o repto lançado por esta enfermeira, para quem a MGF é "um verdadeiro holocausto para as mulheres".
É isso que este livro faz. Dá visibilidade a este verdadeiro crime contra os direitos humanos das mulheres, e interpela-nos a todos e todas, enquanto cidadãos e cidadãs, quanto ao imperativo de erradicação desta prática enraizada na tradição cultural de algumas das comunidades que vivem entre nós, bem perto de nossa casa ...
Isso mesmo ficou patente nos testemunhos que ouvimos hoje, durante a sessão pública promovida pela APF. Talvez o testemunho mais marcante tenha sido o de um homem, membro de uma comunidade migrante, que veio fazer o "mea culpa" em relação às atrocidades que ele próprio consentiu durante tempo demais. O peso injustificável da tradição que levou à morte uma das suas sobrinhas ...
A MGF é uma prática "silenciosa", uma violência exercida no seio da família.
Uma mutilação que, muitas vezes, passa até despercebida aos profissionais de saúde, como revela o estudo da Psicóloga da APF, Yasmina Gonçalves, cujas conclusões constam do livro.
Profissionais de saúde, psicólogo(a)s, antropólogo(a)s e juristas reuniram em "Por nascer Mulher ... um outro lado dos direitos humanos" um conjunto de textos que nos ajudam a perceber melhor a prática nefasta da MGF, que não pode continuar a ser justificada, pelos seus actores, com base nas tradições do seu povo, na sua cultura ou na sua religião. Não. É preciso acabar de vez com todos os tipos de violência sobre as mulheres.
Como diz Catarina Furtado, Embaixadora da Boa Vontade do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), "ser mulher não é um rótulo. É um género que ao nascer não pode ser transformado em fado, choro ou luto."
Ainda a Mutilação Genital Feminina (II)
Daí a importância de dar esta visibilidade e de associar os poderes públicos a esta iniciativa.
Mas, os portugueses e as portuguesas podem dar um outro contributo para este combate, associando a expressão do seu protesto contra esta barbárie a uma petição que será remetida ao Comissário Europeu para o Desenvolvimento e Ajuda Humanitária, Louis Michel, e aos Ministros para a Cooperação e Desenvolvimento dos vários Estados-Membros da União Europeia.
Refiro-me à petição on-line, a que se pode aceder em http://www.respect-ev.org/ , uma iniciativa da "Respect, everyone, everywhere", uma associação fundada em 2005, por um cidadão belga, e que conta, entre os seus activistas, com a senegalesa Khady Koita, Presidente da Rede Europeia de Luta contra a Mutilação Genital Feminina e autora do livro "Mutilada", editado no nosso país pelas Edições ASA.
Ainda a Mutilação Genital Feminina ...
Para assinalar este dia, a Associação para o Planeamento da Família (APF), promove uma sessão, que terá lugar mais logo no Auditório da Maternidade Alfredo da Costa, onde será apresentado o livro “Por nascer mulher … um outro lado dos direitos humanos”.
Trata-se de mais uma iniciativa desta Associação que assume, há já quatro décadas, a missão de “ajudar as pessoas a fazerem escolhas livres e responsáveis na sua vida sexual e reprodutiva”.
Aqui fica o programa …
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008
Tolerância Zero para com a Mutilação Genital Feminina
Para quem ainda não sabe, a mutilação ou corte dos genitais femininos (também conhecida como circuncisão feminina ou excisão) é uma das realidades mais atentatórias dos mais elementares direitos humanos das crianças, raparigas e mulheres. É um acto de violência com base no género, que põe em causa o direito à saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva, de mulheres de todas as idades e a sua efectiva igualdade de oportunidades e plena cidadania.
A mutilação genital feminina tem efeitos devastadores nas famílias e nas comunidades.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) e do Fundo das Nações Unidas para as Crianças (UNICEF), estima-se que cerca de 6 mil meninas e mulheres estão todos os dias expostas ao risco de mutilação genital feminina, 3 milhões são sujeitas a potenciais situações de mutilação todos os anos, e cerca de 140 milhões de mulheres e crianças já o foram.
A mutilação genital feminina é ainda praticada em cerca de 28 países do continente africano, entre os quais a Guiné-Bissau, um país africano de língua oficial portuguesa.
Portugal encontra-se entre os países de risco, no que diz respeito a esta prática porque as comunidades migrantes aqui residentes tendem a concentrar-se em bairros (sobretudo na área da Grande Lisboa), onde se mantêm e reproduzem as práticas sócio-culturais das suas comunidades de origem, incluindo a mutilação genital feminina. Para além disso, muitas das mulheres que foram submetidas à mutilação genital feminina encontram-se nestas comunidades migrantes, necessitando de cuidados de saúde específicos.
A mutilação genital feminina é um acto de violência e discriminação sobre as mulheres, que não pode ser justificado com base em tradições e questões de natureza cultural ou religiosa.
Pelo contrário, é uma prática cuja erradicação é já assumida por um conjunto diversificado de convenções e acordos internacionais e que deve ser desencorajada pelos profissionais de saúde, pelos poderes públicos e por organizações não governamentais, sobretudo aquelas que trabalham na área dos direitos humanos, da igualdade de oportunidades e da saúde sexual e reprodutiva.
Andou bem o Estado português ao incluir a prática de mutilação genital feminina nas preocupações de combate e prevenção à violência com base em discriminações de género, nomeadamente no III Plano Nacional para a Igualdade - Cidadania e Género, bem como na revisão do Código Penal, onde se considera uma ofensa à integridade física grave um acto praticado sobre o corpo ou a saúde de outra pessoa, que possa afectar-lhe a fruição sexual.
Anda bem agora o Governo português ao incluir, no contexto do Ano Europeu do Diálogo Intercultural, a necessidade de um plano de acção específico para a erradicação da prática da mutilação genital feminina.
Em nome do combate a mais esta forma de violência sobre as mulheres, só posso desejar ao grupo de trabalho que foi hoje anunciado os maiores sucessos ! ...
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
Será a carreira profissional um DIREITO reservado aos Homens, e a família um DEVER reservado às Mulheres ?...
A participação das mulheres no mercado de trabalho tem vindo a crescer, ano após ano. Em 2006, na Europa, a taxa de emprego das mulheres cifrou-se nos 57,2 % . O objectivo que a União Europeia pretende alcançar é de 60 % em 2010 (conforme meta definida, em 2000, pela Estratégia de Lisboa).
Entre os países da UE, Portugal está entre os que apresentam uma mais elevada participação feminina na actividade profissional: 62,3%, em 2006, segundo dados do INE.
Ainda de acordo com dados do INE, em 2006, dos 2.369,8 de Mulheres empregadas, 77 % eram-no por conta de outrem e apenas 20,6% por conta própria (a trabalhar individualmente ou como empregadora).
Poucos são os homens que exercem os direitos que a lei portuguesa lhes confere. Em 2006:
- não chegou a 1% o número de pais que usou o direito a partilhar a licença de maternidade com a mãe, substituindo-a na prestação dos primeiros cuidados ao filho ou à filha;
- só 39% dos pais requereu o direito à licença de paternidade (5 dias úteis a gozar no 1º mês de vida do filho ou da filha);
- apenas 30% dos pais usaram do direito à licença parental de 15 dias (permite ao pai estar em casa, com a mãe, nas primeiras duas semanas após o parto).
Será que a carreira profissional é um DIREITO reservado aos Homens, e a família um DEVER reservado às Mulheres ? ...
Um debate (sempre) necessário
No passado sábado, estive num debate sobre a participação da mulher na vida política e a conciliação com a vida familiar e profissional.
Foi mais um debate sobre este importante tema, que está inscrito na agenda política (quer europeia, quer nacional). Mais um entre muitos. Tantos que não consigo recordar já em quantos participei, ao longo dos últimos anos ...
Mas, apesar de tudo, valeu a pena. Vale sempre a pena falar (e ouvir falar) sobre participação, até que as pessoas compreendam que só com uma participação equilibrada de homens e mulheres na tomada de decisão pública e política, poderemos ter uma democracia adulta e madura. E vale sempre a pena falar (e ouvir falar) de conciliação, até que as pessoas compreendam que esse não é um problema só das mulheres. É um problema das mulheres e dos homens, é um problema da sociedade no seu conjunto.
Por isso, e no que à Igualdade entre Homens e Mulheres diz respeito, parafraseio, com as necessárias adaptações, aquela conhecida fadista: «Falarei, até que a voz me doa»...
sábado, 26 de janeiro de 2008
Um Pensamento Novo (ainda a memória de Maria de Lourdes Pintasilgo)
Porque me revejo nas linhas condutoras do texto - a participação das mulheres na esfera pública e a participação equilibrada de homens e mulheres no processo de decisão - transcrevo algumas das passagens do artigo "Um Pensamento Novo":
«Evocá-la é lembrar um pensamento sempre novo. Qualquer que fosse o tema proposto ou a função exercida era fresca a sua reflexão e radiante o seu sorriso. Mesmo que não gerasse consensos. Surpreendia sempre.
Evocá-la é lembrar esse legado de procura e de insatisfação. De convicção e de humanidade. De intervenção e de debate.
Evocá-la é perceber o que perdemos e a falta que nos faz. Como referência que não parou no tempo, nem se deixou ficar a recordar o que fez e o que foi.
Evocá-la é lembrar um modelo de mulher que sabia o seu valor e que o queria reconhecido sem intermediação masculina. Uma mulher que trabalhou muito para dar voz audível às mulheres e ao seu mundo. E para fazer as mulheres tomarem consciência de que há mais mundo para além do que lhes disseram ser o delas.»
(...)
«Ao recordar Maria de Lourdes Pintasilgo mais de perto creio ter também demonstrado a influência clara do seu pensamento na nova geração de políticas públicas em matéria de igualdade de homens e mulheres adoptada em Portugal no limiar do milénio.
Pessoalmente, devo à inspiração e ao encorajamento de Maria de Lourdes Pintasilgo no Relatório da Comissão Independente sobre População e Qualidade de Vida, à qual presidiu, a proposta que venho fazendo de inclusão do direito fundamental ao cuidado e do dever fundamental de cuidar no elenco dos direitos humanos.»
(...)
«De Maria de Lourdes Pintasilgo fica-me a memória de uma Estadista à escala global, que o seu povo não quis entender. Fica-me, como parte desse povo, uma mágoa grande pela incapacidade colectiva que tivemos de lhe fazer sentir a nossa gratidão pelo que fez por Portugal, dentro e fora do País. Fica-me a luz do seu pensamento livre e bravio a renovar-se sempre, ao serviço de um ideal de democracia cada vez mais exigente para as pessoas viverem cada vez melhor. Fica-me o brilho vagamente irónico dos seus olhos e a palavra como força vital e agente de mudança. Ouço-lhe o ritmo encantatório, o entusiasmo mobilizador, a gargalhada, a crítica, a discordância, a preocupação, a rebeldia. E ouvi-la, é perceber porque não teve um funeral de Estado.
Talvez um dia, um dia em que o poder político seja, na nossa terra, exercido em paridade por homens e por mulheres, talvez quando o tempo for o que ela quis que pudesse ser, talvez então se entenda a importância dos símbolos para a participação equilibrada de homens e mulheres no processo de decisão. E quando esse tempo vier, espero que Maria de Lourdes Pintasilgo tenha lugar no Panteão Nacional. Seremos nós a ficar em paz.»
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
Memória na Internet de Maria de Lourdes Pintasilgo
Mas, na quarta-feira, vivi um momento que não posso deixar de registar: trata-se da apresentação pública do projecto Memória na Internet de MARIA DE LOURDES PINTASILGO, da responsabilidade do Centro de Documentação e de Publicações da Fundação CUIDAR O FUTURO, uma instituição de direito privado, criada em 2001 pela Associação GRAAL, e concebida por Maria de Lourdes Pintasilgo, que foi a sua primeira Presidente.
A Fundaçao Cuidar o Futuro organizou, tratou e informatizou o acervo documental da Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo e tornou-o acessível à consulta pública, através da internet, tendo promovido, esta semana, uma sessão de apresentação do sítio, que contou com a participação, entre outra(o)s do General Pezarat Correia, da Professora Teresa Joaquim e de Frei Bento Domingues. Todos recordaram aquela a quem Natália Correia apelidou um dia de “Engenheira de Utopias”.
http://www.arquivopintasilgo.pt/ - É este o sítio, na internet, onde poderemos encontrar muita informação sobre a Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo e muitos dos seus escritos, mesmo aqueles que nunca tinham sido tornados públicos.
São milhares de documentos e fotografias da antiga (e única até agora) Primeira-Ministra de Portugal, que viveu entre 18 de Janeiro de 1930 e 10 de Julho de 2004, deixando-nos um impressionante legado de cidadania.
A sua vida pessoal (no contexto familiar e escolar), a sua vida profissional, a sua intervenção política, eclesial e cívica (quer nos circuitos nacionais, quer internacionais), bem como o seu pensamento, estão agora à distância de um “clique”, o que preenche o sentimento de ausência que a partida da “Mulher das Cidades Futuras” deixou em muito(a)s do(a)s que, como eu, nutrem uma profunda admiração por esta grande MULHER que ousou um dia candidatar-se ao mais alto cargo da Nação – o de Presidente da República.
Longe vão os idos de 1985/86 e o entusiasmo com que muitos de nós nos envolvemos e seguimos com militância esta Mulher-Coragem, de grandes causas e de grandes ideais, bebendo intensamente da fonte das suas ideias, fazendo do seu exemplo a nossa maior referência política, cívica e moral.
Longe vão os tempos de “O Futuro é Hoje e está nas nossas Mãos”, de “Hoje Presente, Amanhã Presidente” e de todos os slogans, gritados com grande entusiasmo, até à noite em que os sonhos se desmoronaram.
Longe vão os ecos das palavras lúcidas, atentas, solidárias, que partilhávamos com grande ideal, da participação nos movimentos que os seus apoiantes lançaram para aprofundar a democracia.
Mas, a partir de agora, as palavras de Maria de Lourdes Pintasilgo, estão mais perto.
Talvez, agora, se perceba porque é que muito(a)s de nós não percebemos (e não aceitámos) que Maria de Lourdes Pintasilgo não tivesse tido um funeral de Estado.
Recupero, a propósito, um texto que escrevi – para evocar a sua memória - na sequência do seu desaparecimento, em Julho de 2004:
MARIA DE LOURDES PINTASILGO – UMA ACTIVISTA ESPIRITUAL E SOCIAL
«Morreu um Capitão de Abril», «o 25 de Abril está claramente de luto». Foi desta forma que Vítor Alves e Vasco Lourenço comentaram o desaparecimento daquela que foi a única Mulher a ocupar o lugar de Primeiro-Ministro (ou Primeira-Ministra) no nosso país, ainda que apenas durante 100 dias.
Aquelas palavras, proferidas precisamente por dois dos nossos ‘Capitães de Abril’ fizeram-me pensar sobre as raízes mais profundas do seu significado e vieram-me à memória múltiplas imagens sobre o percurso daquela Mulher que, para mim – como, para muitas portuguesas e portugueses – constitui um referencial político, cívico e moral.
Maria de Lourdes Pintasilgo é (foi) uma daquelas Grandes Mulheres, cuja dimensão não cabe em todas as palavras que se possam dizer ou escrever. Talvez por isso seja tão difícil traduzir os sentimentos que nos assaltam neste momento, ficando apenas aquele enorme vazio que se sente quando parte alguém que deu tanto – e de forma tão generosa – às grandes causas e aos ideais que também nós procuramos perseguir.
Como esquecer aquela Mulher para quem ‘acreditar’ era mais do que um simples verbo? Maria de Lourdes Pintasilgo acreditava em Deus, como muitos de nós, mas para ela aquela fé inabalável era força motriz para os vários desafios em que se lançou: foi para Engenharia Químico-Industrial e, nesse espaço então praticamente vedado às mulheres, licenciou-se com notas muito altas e chegou a Directora de Projectos na CUF; foi Presidente da Juventude Universitária Católica Feminina e da Pax Romana; foi Secretária de Estado da Segurança Social no 1º e Ministra dos Assuntos Sociais no 2º e 3º Governos Provisórios; foi, por iniciativa do então Presidente, General Ramalho Eanes, Primeira-Ministra do 5º Governo Constitucional; foi Embaixadora na UNESCO; introduziu em Portugal o movimento GRAAL e fundou o Movimento para o Aprofundamento da Democracia; encabeçou a primeira lista de Deputados ao Parlamento Europeu pelo Partido Socialista; integrou o Conselho das Universidades das Nações Unidas, o Clube de Roma e o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida; presidiu ao Comité de Sábios da União Europeia… mas a sua maior ousadia foi, sem sombra de dúvida, a candidatura, como independente, à Presidência da República, em 1986.
Decorridas quase duas décadas sobre esse grande movimento que nos envolveu de uma forma muito estimulante, porque nos animava uma vontade firme de realizar as promessas (ainda por cumprir) do 25 de Abril e um sentimento de abertura à ‘modernidade’ (afinal tratava-se de eleger uma Mulher para o mais alto cargo da Nação), recordo particularmente o seu ‘olhar diferente sobre as coisas’, a sua forma de ‘sentir’, como ela própria afirmava, os problemas e as situações alheias, que assumia com grande intensidade, envolvendo-se com uma enorme determinação na procura de soluções para os resolver.
Natália Correia, sua apoiante, apelidou-a de ‘engenheira de utopias’ e talvez tenha sido a ‘utopia’, a par do ‘sonho’, que a levou a abraçar os vários projectos que protagonizou. Talvez, recordando as palavras de Antero de Quental - «Sonhei. Nem sempre o sonho é coisa vã» - porque não se conformou nunca com a injustiça social e jamais se resignou com a ‘inevitabilidade’ das diferenças entre cidadãos (em função da raça, da língua, do sexo ou das crenças religiosas e convicções políticas). Para ela, a dignidade da pessoa humana, não era apenas um princípio constitucional – era um imperativo na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Talvez também por isso é que Maria de Lourdes Pintasilgo esteve sempre mais disponível para ‘dar’ do que para ‘receber’, inspirada pelo lema da Acção Católica «Ver, Julgar e Agir». Os operários, que ‘descobriu’ naquela que era então a maior empresa industrial do país, as classes mais desfavorecidas, para quem lançou ousadas medidas sociais enquanto governante, conhecem bem o valor do seu carácter solidário, a ‘marca pessoal’ que imprimiu às suas decisões e intervenções políticas.
Mas ela foi (e seria sempre, se continuasse entre nós) aquilo a que se chama uma ‘livre pensadora’, para quem os modelos de sociedade se desenham em cada reflexão que se vai fazendo, por vezes ‘antes da História’, como que antecipando o futuro da própria política e da sociedade global em que nos movimentamos.
«Imaginar a Igreja», «Sulcos do Nosso Querer Comum», «Os novos Feminismos», «Dimensões da Mudança», «As Minhas Respostas» … um a um, todos os seus ‘escritos’ se transformaram na ‘fonte’ cujas águas bebemos com grande entusiasmo, num diálogo permanente, feito de interrogações e afirmações, nesse tempo de mudança que Maria de Lourdes Pintasilgo nos propunha.
A par do modelo representativo, ela defendeu (e foi das primeiras a fazê-lo) o participativo, ‘acreditando’ que o valor da democracia não se esgotava no modelo tradicional, mas residia também na participação activa dos cidadãos, na orientação racional que seriam capazes de dar ao seu destino, apenas movidos pelo interesse de ajudar a construir ‘um mundo melhor’.
Maria de Lourdes Pintasilgo - essa Mulher de fé, Mulher coragem, Mulher mensagem – partiu, deixando a democracia mais pobre. O país está de luto (apesar de ninguém se ter lembrado de o decretar oficialmente, nem terem sido concedidas exéquias de Estado a este vulto que marcou, de forma excepcional, o nosso tempo) e o 25 de Abril perdeu um dos seus ‘conselheiros’ mais ‘sábios’!