sábado, 26 de janeiro de 2008

Um Pensamento Novo (ainda a memória de Maria de Lourdes Pintasilgo)

Dos muitos textos evocativos de Maria de Lourdes Pintasilgo, que já foram dados à estampa, reli hoje um, publicado na Revista "Ex aequo", n.º 12 (2005), da autoria de uma outra mulher, cujo pensamento também muito admiro - Maria do Céu da Cunha Rego, ex-Secretária de Estado para a Igualdade.



Porque me revejo nas linhas condutoras do texto - a participação das mulheres na esfera pública e a participação equilibrada de homens e mulheres no processo de decisão - transcrevo algumas das passagens do artigo "Um Pensamento Novo":



«Evocá-la é lembrar um pensamento sempre novo. Qualquer que fosse o tema proposto ou a função exercida era fresca a sua reflexão e radiante o seu sorriso. Mesmo que não gerasse consensos. Surpreendia sempre.

Evocá-la é lembrar esse legado de procura e de insatisfação. De convicção e de humanidade. De intervenção e de debate.



Evocá-la é perceber o que perdemos e a falta que nos faz. Como referência que não parou no tempo, nem se deixou ficar a recordar o que fez e o que foi.

Evocá-la é lembrar um modelo de mulher que sabia o seu valor e que o queria reconhecido sem intermediação masculina. Uma mulher que trabalhou muito para dar voz audível às mulheres e ao seu mundo. E para fazer as mulheres tomarem consciência de que há mais mundo para além do que lhes disseram ser o delas.»


(...)


«Ao recordar Maria de Lourdes Pintasilgo mais de perto creio ter também demonstrado a influência clara do seu pensamento na nova geração de políticas públicas em matéria de igualdade de homens e mulheres adoptada em Portugal no limiar do milénio.

Pessoalmente, devo à inspiração e ao encorajamento de Maria de Lourdes Pintasilgo no Relatório da Comissão Independente sobre População e Qualidade de Vida, à qual presidiu, a proposta que venho fazendo de inclusão do direito fundamental ao cuidado e do dever fundamental de cuidar no elenco dos direitos humanos.»


(...)


«De Maria de Lourdes Pintasilgo fica-me a memória de uma Estadista à escala global, que o seu povo não quis entender. Fica-me, como parte desse povo, uma mágoa grande pela incapacidade colectiva que tivemos de lhe fazer sentir a nossa gratidão pelo que fez por Portugal, dentro e fora do País. Fica-me a luz do seu pensamento livre e bravio a renovar-se sempre, ao serviço de um ideal de democracia cada vez mais exigente para as pessoas viverem cada vez melhor. Fica-me o brilho vagamente irónico dos seus olhos e a palavra como força vital e agente de mudança. Ouço-lhe o ritmo encantatório, o entusiasmo mobilizador, a gargalhada, a crítica, a discordância, a preocupação, a rebeldia. E ouvi-la, é perceber porque não teve um funeral de Estado.

Talvez um dia, um dia em que o poder político seja, na nossa terra, exercido em paridade por homens e por mulheres, talvez quando o tempo for o que ela quis que pudesse ser, talvez então se entenda a importância dos símbolos para a participação equilibrada de homens e mulheres no processo de decisão. E quando esse tempo vier, espero que Maria de Lourdes Pintasilgo tenha lugar no Panteão Nacional. Seremos nós a ficar em paz.»

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