segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Será a carreira profissional um DIREITO reservado aos Homens, e a família um DEVER reservado às Mulheres ?...

Ainda a propósito do debate de sábado, deixo aqui algumas linhas de reflexão sobre o tema da Conciliação, com recurso a dados disponíveis em estudos das entidades nacionais e europeias.
A participação das mulheres no mercado de trabalho tem vindo a crescer, ano após ano. Em 2006, na Europa, a taxa de emprego das mulheres cifrou-se nos 57,2 % . O objectivo que a União Europeia pretende alcançar é de 60 % em 2010 (conforme meta definida, em 2000, pela Estratégia de Lisboa).
Entre os países da UE, Portugal está entre os que apresentam uma mais elevada participação feminina na actividade profissional: 62,3%, em 2006, segundo dados do INE.
Ainda de acordo com dados do INE, em 2006, dos 2.369,8 de Mulheres empregadas, 77 % eram-no por conta de outrem e apenas 20,6% por conta própria (a trabalhar individualmente ou como empregadora).
Poucos são os homens que exercem os direitos que a lei portuguesa lhes confere. Em 2006:
- não chegou a 1% o número de pais que usou o direito a partilhar a licença de maternidade com a mãe, substituindo-a na prestação dos primeiros cuidados ao filho ou à filha;
- só 39% dos pais requereu o direito à licença de paternidade (5 dias úteis a gozar no 1º mês de vida do filho ou da filha);
- apenas 30% dos pais usaram do direito à licença parental de 15 dias (permite ao pai estar em casa, com a mãe, nas primeiras duas semanas após o parto).

Será que a carreira profissional é um DIREITO reservado aos Homens, e a família um DEVER reservado às Mulheres ? ...

Um debate (sempre) necessário




No passado sábado, estive num debate sobre a participação da mulher na vida política e a conciliação com a vida familiar e profissional.



Foi mais um debate sobre este importante tema, que está inscrito na agenda política (quer europeia, quer nacional). Mais um entre muitos. Tantos que não consigo recordar já em quantos participei, ao longo dos últimos anos ...


Mas, apesar de tudo, valeu a pena. Vale sempre a pena falar (e ouvir falar) sobre participação, até que as pessoas compreendam que só com uma participação equilibrada de homens e mulheres na tomada de decisão pública e política, poderemos ter uma democracia adulta e madura. E vale sempre a pena falar (e ouvir falar) de conciliação, até que as pessoas compreendam que esse não é um problema só das mulheres. É um problema das mulheres e dos homens, é um problema da sociedade no seu conjunto.

Por isso, e no que à Igualdade entre Homens e Mulheres diz respeito, parafraseio, com as necessárias adaptações, aquela conhecida fadista: «Falarei, até que a voz me doa»...

sábado, 26 de janeiro de 2008

Um Pensamento Novo (ainda a memória de Maria de Lourdes Pintasilgo)

Dos muitos textos evocativos de Maria de Lourdes Pintasilgo, que já foram dados à estampa, reli hoje um, publicado na Revista "Ex aequo", n.º 12 (2005), da autoria de uma outra mulher, cujo pensamento também muito admiro - Maria do Céu da Cunha Rego, ex-Secretária de Estado para a Igualdade.



Porque me revejo nas linhas condutoras do texto - a participação das mulheres na esfera pública e a participação equilibrada de homens e mulheres no processo de decisão - transcrevo algumas das passagens do artigo "Um Pensamento Novo":



«Evocá-la é lembrar um pensamento sempre novo. Qualquer que fosse o tema proposto ou a função exercida era fresca a sua reflexão e radiante o seu sorriso. Mesmo que não gerasse consensos. Surpreendia sempre.

Evocá-la é lembrar esse legado de procura e de insatisfação. De convicção e de humanidade. De intervenção e de debate.



Evocá-la é perceber o que perdemos e a falta que nos faz. Como referência que não parou no tempo, nem se deixou ficar a recordar o que fez e o que foi.

Evocá-la é lembrar um modelo de mulher que sabia o seu valor e que o queria reconhecido sem intermediação masculina. Uma mulher que trabalhou muito para dar voz audível às mulheres e ao seu mundo. E para fazer as mulheres tomarem consciência de que há mais mundo para além do que lhes disseram ser o delas.»


(...)


«Ao recordar Maria de Lourdes Pintasilgo mais de perto creio ter também demonstrado a influência clara do seu pensamento na nova geração de políticas públicas em matéria de igualdade de homens e mulheres adoptada em Portugal no limiar do milénio.

Pessoalmente, devo à inspiração e ao encorajamento de Maria de Lourdes Pintasilgo no Relatório da Comissão Independente sobre População e Qualidade de Vida, à qual presidiu, a proposta que venho fazendo de inclusão do direito fundamental ao cuidado e do dever fundamental de cuidar no elenco dos direitos humanos.»


(...)


«De Maria de Lourdes Pintasilgo fica-me a memória de uma Estadista à escala global, que o seu povo não quis entender. Fica-me, como parte desse povo, uma mágoa grande pela incapacidade colectiva que tivemos de lhe fazer sentir a nossa gratidão pelo que fez por Portugal, dentro e fora do País. Fica-me a luz do seu pensamento livre e bravio a renovar-se sempre, ao serviço de um ideal de democracia cada vez mais exigente para as pessoas viverem cada vez melhor. Fica-me o brilho vagamente irónico dos seus olhos e a palavra como força vital e agente de mudança. Ouço-lhe o ritmo encantatório, o entusiasmo mobilizador, a gargalhada, a crítica, a discordância, a preocupação, a rebeldia. E ouvi-la, é perceber porque não teve um funeral de Estado.

Talvez um dia, um dia em que o poder político seja, na nossa terra, exercido em paridade por homens e por mulheres, talvez quando o tempo for o que ela quis que pudesse ser, talvez então se entenda a importância dos símbolos para a participação equilibrada de homens e mulheres no processo de decisão. E quando esse tempo vier, espero que Maria de Lourdes Pintasilgo tenha lugar no Panteão Nacional. Seremos nós a ficar em paz.»

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Memória na Internet de Maria de Lourdes Pintasilgo

Ainda não tinha escrito qualquer apontamento em 2008, apesar de estar já decorrido quase um mês desde a entrada no novo ano. Mais uma vez, foi a escassez de tempo que esteve na origem desta ausência, porque tema(s) para reflexão até houve ...

Mas, na quarta-feira, vivi um momento que não posso deixar de registar: trata-se da apresentação pública do projecto Memória na Internet de MARIA DE LOURDES PINTASILGO, da responsabilidade do Centro de Documentação e de Publicações da Fundação CUIDAR O FUTURO, uma instituição de direito privado, criada em 2001 pela Associação GRAAL, e concebida por Maria de Lourdes Pintasilgo, que foi a sua primeira Presidente.

A Fundaçao Cuidar o Futuro organizou, tratou e informatizou o acervo documental da Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo e tornou-o acessível à consulta pública, através da internet, tendo promovido, esta semana, uma sessão de apresentação do sítio, que contou com a participação, entre outra(o)s do General Pezarat Correia, da Professora Teresa Joaquim e de Frei Bento Domingues. Todos recordaram aquela a quem Natália Correia apelidou um dia de “Engenheira de Utopias”.



http://www.arquivopintasilgo.pt/ - É este o sítio, na internet, onde poderemos encontrar muita informação sobre a Engenheira Maria de Lourdes Pintasilgo e muitos dos seus escritos, mesmo aqueles que nunca tinham sido tornados públicos.

São milhares de documentos e fotografias da antiga (e única até agora) Primeira-Ministra de Portugal, que viveu entre 18 de Janeiro de 1930 e 10 de Julho de 2004, deixando-nos um impressionante legado de cidadania.

A sua vida pessoal (no contexto familiar e escolar), a sua vida profissional, a sua intervenção política, eclesial e cívica (quer nos circuitos nacionais, quer internacionais), bem como o seu pensamento, estão agora à distância de um “clique”, o que preenche o sentimento de ausência que a partida da “Mulher das Cidades Futuras” deixou em muito(a)s do(a)s que, como eu, nutrem uma profunda admiração por esta grande MULHER que ousou um dia candidatar-se ao mais alto cargo da Nação – o de Presidente da República.

Longe vão os idos de 1985/86 e o entusiasmo com que muitos de nós nos envolvemos e seguimos com militância esta Mulher-Coragem, de grandes causas e de grandes ideais, bebendo intensamente da fonte das suas ideias, fazendo do seu exemplo a nossa maior referência política, cívica e moral.

Longe vão os tempos de “O Futuro é Hoje e está nas nossas Mãos”, de “Hoje Presente, Amanhã Presidente” e de todos os slogans, gritados com grande entusiasmo, até à noite em que os sonhos se desmoronaram.

Longe vão os ecos das palavras lúcidas, atentas, solidárias, que partilhávamos com grande ideal, da participação nos movimentos que os seus apoiantes lançaram para aprofundar a democracia.

Mas, a partir de agora, as palavras de Maria de Lourdes Pintasilgo, estão mais perto.

Talvez, agora, se perceba porque é que muito(a)s de nós não percebemos (e não aceitámos) que Maria de Lourdes Pintasilgo não tivesse tido um funeral de Estado.

Recupero, a propósito, um texto que escrevi – para evocar a sua memória - na sequência do seu desaparecimento, em Julho de 2004:


MARIA DE LOURDES PINTASILGO – UMA ACTIVISTA ESPIRITUAL E SOCIAL



«Morreu um Capitão de Abril», «o 25 de Abril está claramente de luto». Foi desta forma que Vítor Alves e Vasco Lourenço comentaram o desaparecimento daquela que foi a única Mulher a ocupar o lugar de Primeiro-Ministro (ou Primeira-Ministra) no nosso país, ainda que apenas durante 100 dias.
Aquelas palavras, proferidas precisamente por dois dos nossos ‘Capitães de Abril’ fizeram-me pensar sobre as raízes mais profundas do seu significado e vieram-me à memória múltiplas imagens sobre o percurso daquela Mulher que, para mim – como, para muitas portuguesas e portugueses – constitui um referencial político, cívico e moral.
Maria de Lourdes Pintasilgo é (foi) uma daquelas Grandes Mulheres, cuja dimensão não cabe em todas as palavras que se possam dizer ou escrever. Talvez por isso seja tão difícil traduzir os sentimentos que nos assaltam neste momento, ficando apenas aquele enorme vazio que se sente quando parte alguém que deu tanto – e de forma tão generosa – às grandes causas e aos ideais que também nós procuramos perseguir.
Como esquecer aquela Mulher para quem ‘acreditar’ era mais do que um simples verbo? Maria de Lourdes Pintasilgo acreditava em Deus, como muitos de nós, mas para ela aquela fé inabalável era força motriz para os vários desafios em que se lançou: foi para Engenharia Químico-Industrial e, nesse espaço então praticamente vedado às mulheres, licenciou-se com notas muito altas e chegou a Directora de Projectos na CUF; foi Presidente da Juventude Universitária Católica Feminina e da Pax Romana; foi Secretária de Estado da Segurança Social no 1º e Ministra dos Assuntos Sociais no 2º e 3º Governos Provisórios; foi, por iniciativa do então Presidente, General Ramalho Eanes, Primeira-Ministra do 5º Governo Constitucional; foi Embaixadora na UNESCO; introduziu em Portugal o movimento GRAAL e fundou o Movimento para o Aprofundamento da Democracia; encabeçou a primeira lista de Deputados ao Parlamento Europeu pelo Partido Socialista; integrou o Conselho das Universidades das Nações Unidas, o Clube de Roma e o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida; presidiu ao Comité de Sábios da União Europeia… mas a sua maior ousadia foi, sem sombra de dúvida, a candidatura, como independente, à Presidência da República, em 1986.
Decorridas quase duas décadas sobre esse grande movimento que nos envolveu de uma forma muito estimulante, porque nos animava uma vontade firme de realizar as promessas (ainda por cumprir) do 25 de Abril e um sentimento de abertura à ‘modernidade’ (afinal tratava-se de eleger uma Mulher para o mais alto cargo da Nação), recordo particularmente o seu ‘olhar diferente sobre as coisas’, a sua forma de ‘sentir’, como ela própria afirmava, os problemas e as situações alheias, que assumia com grande intensidade, envolvendo-se com uma enorme determinação na procura de soluções para os resolver.
Natália Correia, sua apoiante, apelidou-a de ‘engenheira de utopias’ e talvez tenha sido a ‘utopia’, a par do ‘sonho’, que a levou a abraçar os vários projectos que protagonizou. Talvez, recordando as palavras de Antero de Quental - «Sonhei. Nem sempre o sonho é coisa vã» - porque não se conformou nunca com a injustiça social e jamais se resignou com a ‘inevitabilidade’ das diferenças entre cidadãos (em função da raça, da língua, do sexo ou das crenças religiosas e convicções políticas). Para ela, a dignidade da pessoa humana, não era apenas um princípio constitucional – era um imperativo na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Talvez também por isso é que Maria de Lourdes Pintasilgo esteve sempre mais disponível para ‘dar’ do que para ‘receber’, inspirada pelo lema da Acção Católica «Ver, Julgar e Agir». Os operários, que ‘descobriu’ naquela que era então a maior empresa industrial do país, as classes mais desfavorecidas, para quem lançou ousadas medidas sociais enquanto governante, conhecem bem o valor do seu carácter solidário, a ‘marca pessoal’ que imprimiu às suas decisões e intervenções políticas.
Mas ela foi (e seria sempre, se continuasse entre nós) aquilo a que se chama uma ‘livre pensadora’, para quem os modelos de sociedade se desenham em cada reflexão que se vai fazendo, por vezes ‘antes da História’, como que antecipando o futuro da própria política e da sociedade global em que nos movimentamos.
«Imaginar a Igreja», «Sulcos do Nosso Querer Comum», «Os novos Feminismos», «Dimensões da Mudança», «As Minhas Respostas» … um a um, todos os seus ‘escritos’ se transformaram na ‘fonte’ cujas águas bebemos com grande entusiasmo, num diálogo permanente, feito de interrogações e afirmações, nesse tempo de mudança que Maria de Lourdes Pintasilgo nos propunha.
A par do modelo representativo, ela defendeu (e foi das primeiras a fazê-lo) o participativo, ‘acreditando’ que o valor da democracia não se esgotava no modelo tradicional, mas residia também na participação activa dos cidadãos, na orientação racional que seriam capazes de dar ao seu destino, apenas movidos pelo interesse de ajudar a construir ‘um mundo melhor’.
Maria de Lourdes Pintasilgo - essa Mulher de fé, Mulher coragem, Mulher mensagem – partiu, deixando a democracia mais pobre. O país está de luto (apesar de ninguém se ter lembrado de o decretar oficialmente, nem terem sido concedidas exéquias de Estado a este vulto que marcou, de forma excepcional, o nosso tempo) e o 25 de Abril perdeu um dos seus ‘conselheiros’ mais ‘sábios’!